domingo, abril 09, 2006

Acerca da pretensa "recuperação da Torre-Paço de Évoramonte"...

"O alentejano que sobe ao alto do castelo de Évora-Monte, erguido ali ao lado da térrea casinha da Convenção onde a concórdia da família portuguesa foi assinada, ele que tem o sangue de Giraldo-sem-Pavor a correr-lhe nas veias, que assistiu às façanhas e hesitações do Condestável, e que fez parte da insurreição do Manuelinho, sente dentro de si o irreprimível orgulho dum homem predestinado. A seus pés desdobra-se o extenso palco do seu destino: a infindável planície a que dá vida e movimento. São os rios e ribeiros secos que faz transbordar de suor, os negros montados que alegra de vez em quando pintando de vermelho cada sobreiro, a sua casinha escarolada e erma como uma mimosa na botoeira, e as searas que ondulam e reverberam num aceno de abumdância. Um mundo livre sem muros, que deixou passar todas as invasões e permaneceu inviolado, alheio às mutações da história e ao fiel esforço que o granjeia. Nenhum limite no espaço e no tempo. Seja qual for o ponto cardial que escolha a inquietação, terá sempre o infinito diante de si, em pousio para qualquer sementeira. E essa eterna pureza e disponibilidade exaltam o ânimo do posssuidor." - (Miguel Torga)




Aconteceu há tempos recomendar a uma amiga, que não é portuguesa, e ainda não conhecia o Alentejo, que visitasse Évoramonte. Tinha eu na memória sentimentos parecidos áqueles que Miguel Torga descreve... Qual não é o meu espanto ao receber de volta : "gostei bastante de Évoramonte, é pena é o arranjo da torre ser tão feio..."
O arranjo da torre?!
E realmente, pouco depois deparo-me com o artigo "Escalada verde ao topo da história - A recuperação da envolvente da Torre-Paço de Évoramonte primou pela discrição. A intervenção não se sobrepõe ao edifício histórico, mas confere ao espaço uma graça há muito esquecida." no Jornal Arquitecturas de Abril de 2006. Descreve o artigo o projecto dos arquitectos-paisagistas Francisco Caldeira Cabral e Alexandre Lisboa.
Depois de lido o texto e vistas as fotografias não posso deixar de concordar com a minha amiga. De concordar plenamente.





As casas de emigrante há muito que estão identificadas e encaixadas no difícil de classificar, feio (embora pareça começar a estar na moda dizer bem destas). Para as casas de "estilo Lapa", designação de José Manuel Fernandes para a emergente neo-arquitectura tradicional, apesar de alastrarem como cogumelos, há sempre a consolação de uma grande parte não serem projecto de arquitectos. E este novo estilo que surge, e que me parece ser uma constante em todos os projectos decorrentes do Polis? Sim, porque há um sem número de tiques que se repetem em todos os projectos, e deixam antever o nascimento de uma nova corrente...
Este novo projecto de Évoramonte, na minha opinião, está claramente integrado na nova "corrente". Ou talvez a receita seja: "a nova corrente" + "o género de recuperação feita em adeias como Figueira de Castelo Rodrigo e Monsaraz". Frases como "(...) os arquitectos trabalharam na definição de caminhos a seguir pelos visitantes, mas através de uma intervenção minimalista, o mais neutra possível, que não introduzisse alterações topográficas profundas e não comprometesse a preponderância da torre. A subtileza da obra no entanto não significou traços tímidos. Pelo contrário o traçado é fortemente marcado, como forma de identificar a intervenção contemporânea, em contraste com o preexistente." Olho para as fotografias e não percebo. Não percebo mesmo. E continua "Só se tivéssemos um ego demasiado grande é que poríamos ali qualquer coisa que se impusesse à Torre-Paço". Continuo sem perceber.
Falta-me ir a Évoramonte, mas estou com medo...


Do Sul
O branco branquíssimo do muro:
a beleza concreta, acidulada,
do rigoroso espírito do Sul.

Eugénio de Andrade em "Alentejo"


_manel

2 comentários:

Anónimo disse...

Subscrevo. Já tinha visitado o local, e senti um excesso da afirmação de alguém sobre o local. O lugar merecia mais contenção e quase seria melhor não lhe ter tocado.

Sérgio Camolas, Arquitecto

Maria João disse...

medo...muito medo!! concordo plenamente. Não vou lá há anos mas do encanto que me lembro de ter (ou o espírito do lugar), parece já não restar muito.

snif